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O encontro

NUM FUTURO NÃO MUITO DISTANTE

Fernanda estava sozinha em casa quando tocou a campainha. E não podia ficar mais surpresa ao ver quem estava do outro lado do portão.
“Como ela descobriu onde eu moro?”, ela pensou ao ver sua ex-namorada, com o cachorrinho preso pela guia, abanando o rabo de felicidade ao ver Fernanda, como fazia com qualquer um que se aproximava dele.
-- O que você está fazendo aqui, Camila? – Foi sua primeira pergunta, sem nem sequer se aproximar do portão.
Um misto de sentimentos tomava conta dela, e ela não sabia muito bem como reagir com aquela visita inesperada. Raiva. Mágoa. Dor. Traição. Mentira. Injustiça. Tristeza. Um misto de sentimentos tomou conta dela. 
Na verdade, ela ainda estava lidando com todos aqueles sentimentos desde que as duas se separaram, quase um ano atrás. Pensando onde ela tinha errado tanto para que Camila fizesse tudo o que fez com ela. Camila mentiu, olhando em seus olhos, se aproveitando da sua ingenuidade para manipular Fernanda a aceitar uma situação que já havia dito várias vezes que não queria.
Mas Camila era teimosa. Não queria terminar o relacionamento porque sua mãe gostava muito de Fernanda, mas também não queria mais ficar com ela. Então mentiu para Fernanda, dizendo que não queria mais ficar com ninguém, e que se Fernanda quisesse continuar com ela tinha que ser uma relação aberta, porque ela sabia que a namorada iria sentir falta. Mas na verdade era ela quem queria ficar com outras pessoas. E quase dois meses depois, quando as duas tiveram mais uma de suas brigas homéricas, Camila disse que ela tinha que engolir a relação aberta, que não tinha outro jeito.
Fernanda decidiu então sair com alguém, já que Camila praticamente a estava forçando a fazer isso. Em questão de semanas, Camila a botou para fora de casa, dizendo que Fernanda a tinha traído.
Ao ver a ex-namorada no portão, toda a cena veio à sua mente, e todos aqueles sentimentos foram se misturando dentro dela, fazendo um bolo em seu estômago. Aquele bolo foi aumentando, subindo, subindo...
--Você não vai abrir para mim? – Pergunta Camila.
-- Estou pensando ainda. Você não é bem-vinda aqui.
-- Pensei que ainda fôssemos amigas.
-- Pois pensou errado. Depois de tudo que você me fez ainda aparece aqui, com a cara mais deslavada do mundo?
-- Como assim?
Aquele bolo continuava subindo dentro dela, até atingir a garganta. Assim que atravessou as suas cordas vocais, as palavras saíram sem controle.
-- Você me acusa de traição e acha que vai ficar por isso mesmo? Dizendo que a relação aberta era porque eu ia sentir falta, quando na verdade era porque VOCÊ queria?
Camila ficou sem reação depois da última pergunta. Ela continua:
-- Ah! Vai dizer que você pensou que a ingênua Fernanda não iria perceber suas reais intenções? Eu posso ser lenta para perceber as segundas intenções, para ler as entrelinhas... por acaso achou que eu ia esquecer o que eu vi?
-- Do que você está falando?
-- A prova da sua mentira, em cima da pia do banheiro. Aquele sabonete que você nunca tirava de casa. E depois vem me dizer que não sentia falta? Por acaso você acha que sou uma idiota?
Camila parecia ainda mais sem reação. O olhos de Fernanda estavam marejados de lágrimas.
-- Vá embora, Camila. Como eu já disse antes, você não é bem-vinda aqui.
-- Mas o Freddy sente a sua falta.
-- Mesmo? Você poderia ter me avisado que viria. Falando nisso, aliás, como você descobriu meu endereço?
Camila não respondeu. Fernanda suspirou, contrariada.
-- Bom, se não quiser responder, tudo bem. Mas vá embora. Eu não quero você aqui.
Depois que terminou de dizer a última frase, virou as costas e entrou em casa, deixando Camila parada no portão. Mas a campainha soou novamente. Fernanda revirou os olhos e abriu a porta mais uma vez.
-- Você ainda está parada aí? O que você quer aqui?
-- Quero falar com você.
-- Não tenho nada para falar com você. A única ocasião em que quero falar com você é no cartório, para fazer aquela separação. Além disso, não quero nem ver a sua cara, nem pintada de ouro. E me faça um último favor: se você me vir em algum lugar, atravesse a rua.
-- Quanta raiva... – Foi a única resposta que Fernanda recebeu da ex-namorada.
-- Sim... Eu só gostaria de saber uma única coisa: porque você fez tudo aquilo? Foi só porque você queria terminar comigo?
-- Eu não queria terminar com você, você sabe muito bem disso, Nanda.
-- Ah, é? Porque? Porque não sabia como dizer a sua querida mamãe que nós terminamos, porque ela gostava muito de mim? Porque foi isso que você me disse no carnaval do ano passado, quando me propôs essa ideia absurda de relação aberta. A tal relação aberta que eu lhe disse que não queria.
Ao que Camila retrucou:
-- Não queria? Porque ficou com aquela criatura então?
-- Porque você me enfiou essa merda goela abaixo! Eu queria provar para você que essa merda não iria dar certo! Provar para você que quem queria isso era você! De outra forma, porque você ficou tão chateada por eu ter saído com aquela pessoa?
Como Camila não respondeu mais nada, Fernanda continuou:
-- É porque VOCÊ queria sair com outras pessoas. VOCÊ queria “dar para o William”. VOCÊ queria ficar com a Marcela.
-- De onde você tirou que eu queria ficar com o William?
-- Você me disse, quando estava bêbada. Tão bêbada que se esqueceu de ter me contado isso. E ainda riu na minha cara quando te falei. ISSO eu não vou esquecer tão cedo. E já conseguiu ficar com a Marcela?
O que Fernanda conseguiu foi apenas uma resposta monossilábica:
-- Não...
-- E porquê? Ela não estava “caidinha” por você? Não foi por isso que você terminou comigo? Porque eu disse que você dizia isso só quando estava bêbada?
-- Ela está namorando...
-- Eu sei... Mas você estava caidinha por ela, louca para ficar com ela também. Ou não estava?
-- Estava, mas...
-- Levou um toco bem levado, não foi? E agora vem aqui tentar falar comigo cheia de esperanças... pode tirar o cavalinho da chuva, porque eu não vou voltar com você. Eu estou namorando, apaixonada por uma mulher que é mil vezes melhor que você. Que me respeita, que entende a minha história...
Camila vira os olhos, suspira com impaciência e responde.
-- Sim, eu sei que você está com outra pessoa.
-- Bom que você sabe. Falando nisso, quando vamos ao cartório nos separar de fato? Agora que acabou a pandemia, podemos assinar isso de uma vez, e não ter mais nada nos ligando uma à outra. Você vai manter a sua palavra?
-- Que palavra?
-- O nosso combinado era comunhão total de bens caso uma morresse, para não deixar a outra desamparada. Mas se a gente decidisse se separar, cada uma iria ficar com o que já tinha antes de se conhecer. Vai continuar assim?
-- Claro, porque mudaria?
-- Porque? Porque você descumpriu todas as outras promessas! Inclusive a respeito da relação aberta.
-- Do que você está falando?
-- Quando você me manipulou para aceitar aquela ideia estúpida, sugeriu 3 regras simples: 1- não levar ninguém para casa; 2- não dizer quem era; 3- avisar quando fosse chegar tarde em casa. VOCÊ já estava com intenções de ficar com a Marcela, então trouxe ela para dentro de casa “porque era para fazer a 3”. Ou seja, nós duas e ela. Mas mudou de ideia no meio do caminho, porque SE APAIXONOU por ela e resolveu que não queria mais dividir. Aí perguntou se eu ia ficar chateada se só você ficasse com ela e ficou putinha com a minha resposta. Logo, quebrou 2 regras das 3 que VOCÊ mesma sugeriu.
-- Ai, Fernanda...
-- Não vem com “ai, Fernanda”! VOCÊ sugeriu 3 regras, e quebrou duas delas antes mesmo de ficar com alguém. Além do mais, preferiu acreditar nos outros ao invés de vir perguntar para mim o que eu fiz ou deixei de fazer com determinada pessoa. Eu posso simplesmente ter passado a noite conversando e não ter feito nada, sabia? Só para provocar ciúmes em você.
-- E você vai me deixar entrar ou não...?
-- Eu já disse que você não é bem-vinda aqui. Então acho que não preciso dizer que você não vai entrar. Aliás, vou perguntar de novo: o que você veio fazer aqui?
-- Minha esperança era conversar amigavelmente, tentar entender porque você sumiu da minha vida desde que saiu lá de casa.
-- Acho que o “some da minha vida” que você me disse naquela noite já explica tudo, você não acha?
-- Você é muito intransigente, Fernanda... – Camila responde com um suspiro, apoiou o peso do corpo em apenas uma das pernas e olhou para o alto. – Com você é tudo “oito ou oitenta”, não tem meio termo.
-- Eu sempre fui assim, desde antes de conhecer você. Agora é defeito para você também? Aliás, eu não sei que saudades você sentiu de mim agora. Para você, tudo que eu fazia era ruim. Acho que posso contar nos dedos as vezes que você me deu um elogio. Quando falava da minha comida para os outros, aí eu cozinhava bem. Mas quando estávamos só nós em casa era só “tá faltando sal”, ou “tá muito seco para mim”. Cansa estar sempre errada, sabia? Dá uma sensação de impotência, de que nada do que a gente faz está suficientemente bom.
Fernanda toma fôlego, enquanto Camila apenas fica olhando para ela, surpresa com aquela enxurrada de palavras que vieram em sua direção. Fernanda pisca os olhos, depois olha para cima, tentando evitar que as lágrimas comecem a cair. Ela não quer que a ex-namorada a veja chorando, depois de já ter derramado rios de lágrimas por causa daquela mulher, que estava parada ali no portão.
-- Tá bom, Fernanda, eu já entendi! – Camila ergue as mãos, em sinal de rendição. – Nos vemos no cartório. Eu te aviso pelo WhatsApp com o dia e a hora.
Fernanda suspira alto e responde:
-- Ótimo.
Camila vira as costas e sai. Fernanda fica observando a ex-namorada ir embora, esperando que ela dobre a esquina. Depois ela se volta para dentro da casa, fecha a porta e vai direto para seu quarto, onde ela chora sozinha.

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